Suas pernas ficaram bambas, e sua voz fugiu da garganta quando, poucas horas antes do horário em que partiria, Henrrich ligou para ela. Há dias não ligava, talvez semanas, o tempo era relativamente estranho em dias de guerra. Algumas horas pareciam dias, e alguns dias pareciam segundos. Amélia buscou explicações, buscou um modo de dizer a Henrrich que partiria para a guerra. Algum modo dele não impedi-la, e começou, sem controle algum a vomitar as palavras em cima dele.
- Eu o amo Henrrich, mas a culpa e a covardia com que fugi da Polônia correm minh'alma, já não vivo, estou vegetando aqui, sem você, sem minha família. Eu sei que salvas-te minha vida me trazendo pra cá,e lhe agradeço profundamente, mas não posso mais ficar parada. E o meu modo de agradecer pelo que me fizeste foi me alistar ao NSDAP, como enfermeira voluntária, você sabe, elas estão em falta, e foi você mesmo que me induziu a aprender tal profissão,e agora, que é o momento que mais precisam de mim, eu tenho de estar lá. Quando te apaixonaste por mim, sabias dos meus valores, e da minha honra, e nunca ela havia se manifestado tçao intensamente. Sei que é perigoso, sei que posso morrer, mas não posso ficar rezando para que você volte inteiro para os meus braços. Eu estarei mais próxima de você assim, e poderei salvar vidas, de alemães como você, porque eu descobri que antes de qualquer coisa, são humanos.
Silêncio.
Qualquer manifestação, qualquer grito teria dilacerado menos o coração de Amélia do que aquele silêncio. Uma respiração acelerada, ela sentia a raiva emanando de Henrrich mesmo que ao telefone. Um arrepio percorreu a espinha da mulher, temia perdê-lo, porque o amava, mas tudo que dissera à ele, era a pura verdade. A voz sempre tão doce de Henrrich saiu como um raio a atingir sua amada.
- Foi ele, eu sei quem foi, foi Schuzt, aquele Saukerl, vou matá-lo. Amélia, ninguém sabe como eu o horror que é estar aqui. Você não aguentaria, você nao sobreviveria, fique, não faça que todos os riscos que corri por você sejam em vão!
- Henrrich, a decisão já está tomada, eu parto em dois dias.
O resto da conversa, não é tão pertinente à estória, e nem Amélia lembrava realmente o que tinha sido dito entre lágrimas, soluços e rancor. Tudo que sabia é que ele a considerava uma traidora, uma ingrata. E a culpa, que já se alimentava diariamente de sua dignidade, agora estava mais voraz e arrebatadora. Além de uma covarde, era uma grande ingrata. Quanto orgulho o Pai estaria sentindo dela se estivesse vivo, pensava com irônia.
No mesmo dia, arrumou suas malas, cortou os cabelos na altura dos ombros para que fosse mais prático, trocou na cidade seus sapatos altos por sapatilhas, suas roupas, todas brancas, e partiu em direção à sede no NSDAP mais próxima. Mais uma vez foi humilhada de várias formas, tivera de ficar nua, para ser inspecionada minuciosamente, estava encolhida enquanto uma enfermeira nada delicada mechia em todo seu corpo, ao final, estava sentindo-se mais um lixo do que qualquer outra coisa no universo. Mas, foi aprovada. Passou em todos os testes, e a mandaram para Berlim.
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Eremita Moderno
Dizer que foi fácil encontrar Hainz seria até irônico, mas ela sabia que ele estava de serviço na LSE (Luftwaffe Sondereinheit), o pior setor na guerra, ele era um amontoador de cadáveres, e raramente quando encontrava alguém vivo, muito poucas vezes tinha chance de salvar alguém. Mas enfim, encontrou-o. Parecia anos mais velho, e fazia apenas alguns meses que não o via. Mas não duvidava que ela mesma também o parecia, apesar da familia Hartmann ser relativamente rica, o racionamento já atingia toda a Alemanha, e não era exatamente prioridade para eles alimentar uma polonesa que, para a maioria naquela casa, não passava de uma invasora que iria atrapalhar o futuro brilhante de Henrrich, apenas a idosa mãe da casa a tratava como um ser humano. Com o tempo descobrira que além da bandeira com o simbolo do nazismo na sala, havia um quadro com o retrato do Führer na cozinha, e sempre que passava por ele era obrigada a murmurar um 'Heil Hitler' se não quisesse passar a proxima meia hora ouvindo um sermão sobre a grande caridade dos Hartmann por mantê-la ali.
Quando conseguiu contatar Hainz ao telefone tudo que planejara dizer fugiu de sua garganta, gaguejou, engasgou, e só se acalmou quando ele riu de sua falta de jeito, o assunto era sério, mas o pouco que o conhecia já lhe provava que seria mais fácil, falando com ele. Dizer em voz alta era como finalmente afirmar com certeza. "Hainz, eu quero me alistar ao NSDAP, quero ser enfermeira voluntária ao exército alemão". Foi um minuto de silêncio de ambos os lados, a não ser pela estática que atrapalhava a ligação, mas nenhuma explicação foi pedida, e apenas instruções de como fazer foram dadas.
Amélia ainda não tivera coragem para contar a Henrrich, sabia que ele tentaria impedi-la, sabia que era perigoso, mas sua maior certeza era que não poderia ficar ali parada. Não podia mais apenas ser uma covarde, talvez fosse a culpa por ter abandonado seu país, ou o amor por Henrrich que a impulsionava a tal loucura. Não sabia ao certo, mas uma semana depois mandara seu pedido ao NSDAP (Partido Nazista), claro, com a identidade falsa, como membro da família Hartmann. E não levou mais que um mês para que fosse aprovado. Enfermeiras profissionais era artigo de luxo no exército, e em falta.
Dentro de dois dias passaria pela inspeção de saúde, interrogatorio psicologico, e se juntaria a liga de médicos e enfermeiros de guerra.
Quando conseguiu contatar Hainz ao telefone tudo que planejara dizer fugiu de sua garganta, gaguejou, engasgou, e só se acalmou quando ele riu de sua falta de jeito, o assunto era sério, mas o pouco que o conhecia já lhe provava que seria mais fácil, falando com ele. Dizer em voz alta era como finalmente afirmar com certeza. "Hainz, eu quero me alistar ao NSDAP, quero ser enfermeira voluntária ao exército alemão". Foi um minuto de silêncio de ambos os lados, a não ser pela estática que atrapalhava a ligação, mas nenhuma explicação foi pedida, e apenas instruções de como fazer foram dadas.
Amélia ainda não tivera coragem para contar a Henrrich, sabia que ele tentaria impedi-la, sabia que era perigoso, mas sua maior certeza era que não poderia ficar ali parada. Não podia mais apenas ser uma covarde, talvez fosse a culpa por ter abandonado seu país, ou o amor por Henrrich que a impulsionava a tal loucura. Não sabia ao certo, mas uma semana depois mandara seu pedido ao NSDAP (Partido Nazista), claro, com a identidade falsa, como membro da família Hartmann. E não levou mais que um mês para que fosse aprovado. Enfermeiras profissionais era artigo de luxo no exército, e em falta.
Dentro de dois dias passaria pela inspeção de saúde, interrogatorio psicologico, e se juntaria a liga de médicos e enfermeiros de guerra.
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Eremita Moderno
"Henrrich era como uma droga sublime, ele roubava meu ar, meu chão, meus sentidos e valores. Nada importava enquanto meus olhos estivessem grudados aos seus, não me importava se uma bomba explodisse no meu jardim, eu morreria sorrindo se fosse este o caso, afinal, estaria entre os braços dele, meu ópio estaria circulando no meu sangue, seu cheiro exalando em meu corpo, como se fossemos apenas um, tudo que fiz faria novamente, apenas se pudesse ter esse momento mais uma vez."
Eu poderia passar anos tentando imaginar, sem conseguir com exatidão, a intensidade embrigante desse amor é inalcançável para leigos, como eu, no quesito apaixonar-se.
O dia da partida chegou, ela não levava mais do que roupas para alguns dias, alguma comida, alguns retratos, documentos falsos e uma alma rechaçada pela culpa. Não avisaria seu irmão, nem ninguém, não poderia sequer saber se eles estariam vivos, se sua sobrinha cresceria. Ela, covardemente, salvava a própria vida, abandonando sua identidade, seu país e tudo que tinha até ali, a não ser Henrrich, ele era tudo para sua vida, e nem sequer sabia se ele voltaria para seus braços vivo um dia. Pode parecer fácil descrito assim, mas em um dia ela estava instalada na casa dos Hartmann na Alemanha oriental, acolhida pela já idosa mãe de seu amado. O cheiro do chá de ervas calmantes tomava conta da grande cozinha, havia também uma moça, era irmã mais nova dele, parecia desprezar Amélia, como se ela estivesse infectando o ambiente com uma doença grave. Jamais entenderia o porque disso se não conhecesse o pai de Henrrich, ele a observava com o mesmo áscuo, ele era também um oficial do exército alemão, e a bandeira nazista estava pendurada no meio da sala de estar, ela chegou a imaginar que ele se orgulharia de pendurar uma cabeça de um judeu ali em cima da bandeira.
Era madrugada quando Henrrich ligou, havia sido outro homem a levá-la até ali, era subordinado de Hartmann, seu nome era Hainz Schuzt, ela estava esperando por Henrrich para levá-la quando ele chegou com o mesmo modelo de avião, a farda acinzentada, mas ele era diferente, sentira uma amizade natural ao cumprimentá-lo, seus olhos verdes brilhavam com uma doçura imensurável, assim como seu sorriso. Algumas mechas dos cabelos negros do rapaz caiam-lhe sobre o rosto, fugindo do arrumadinho convencional do resto do cabelo. Durante o vôo ele lhe contara que servia à Luftwaffe pelo serviço militar obrigatório,e que antes disso, estava terminando de se formar como médico, estava na força de resgate aérea, buscando os soldados feridos e levando-os para o atendimento médico, era um lado da guerra em que Amélia jamais tinha pensado, algumas pessoas estavam ali tentando salvar vidas.
A voz de Henrrich ao telefone estava séria, até fria, conversaram por poucos minutos, suficientes para ele saber que ela chegara em segurança, e que estaria segura pelo tempo que fosse necessário, suficientes para ela temer a selvageria cada vez mais evidente na voz dele enquanto contava que conseguira cumprir o objetivo junto com os outros aviadores de abater o quartel de varsóvia e sitiar a cidade. O coração de Amélia estava apertado quando ela foi deitar-se, e nos seus sonhos o remorso por abandonar o próprio país era refletido, via seu pai sendo morto por bombas, seu irmão, toda a família, as mulheres do curso de enfermagem chorando por seus maridos, e todos mortos, ela estava ali sem poder fazer nada, Henrrich segurava-a pelo ombro com firmeza enquanto ela tentava ir ajuda-los, Hainz aparecia, e também era morto, e ela acordava. O mesmo sonho repetiu-se por noites e mais noites, e a agonia de estar presa parecia sufocar-lhe. Todas as noites Henrrich ligava para ela, contava as vitória e os perigos do dia, e seu coração se acalmava enquanto ouvia a voz dele, esquecia das humilhações murmuradas em alemão pelo pai e a irma dele, esquecia do áscuo que tinha ao ouvir as noticias no rádio, sobre campos de força, sobre assassinatos e torturas,e mortes incontáveis.
Meses se passavam um a um, e o inverno se foi, e a primavera chegou, e junto a ela uma decisão, não ficaria mais parada. Não lutaria por um país, lutaria pela vida. Foi quando decidiu procurar Hainz.
Eu poderia passar anos tentando imaginar, sem conseguir com exatidão, a intensidade embrigante desse amor é inalcançável para leigos, como eu, no quesito apaixonar-se.
O dia da partida chegou, ela não levava mais do que roupas para alguns dias, alguma comida, alguns retratos, documentos falsos e uma alma rechaçada pela culpa. Não avisaria seu irmão, nem ninguém, não poderia sequer saber se eles estariam vivos, se sua sobrinha cresceria. Ela, covardemente, salvava a própria vida, abandonando sua identidade, seu país e tudo que tinha até ali, a não ser Henrrich, ele era tudo para sua vida, e nem sequer sabia se ele voltaria para seus braços vivo um dia. Pode parecer fácil descrito assim, mas em um dia ela estava instalada na casa dos Hartmann na Alemanha oriental, acolhida pela já idosa mãe de seu amado. O cheiro do chá de ervas calmantes tomava conta da grande cozinha, havia também uma moça, era irmã mais nova dele, parecia desprezar Amélia, como se ela estivesse infectando o ambiente com uma doença grave. Jamais entenderia o porque disso se não conhecesse o pai de Henrrich, ele a observava com o mesmo áscuo, ele era também um oficial do exército alemão, e a bandeira nazista estava pendurada no meio da sala de estar, ela chegou a imaginar que ele se orgulharia de pendurar uma cabeça de um judeu ali em cima da bandeira.
Era madrugada quando Henrrich ligou, havia sido outro homem a levá-la até ali, era subordinado de Hartmann, seu nome era Hainz Schuzt, ela estava esperando por Henrrich para levá-la quando ele chegou com o mesmo modelo de avião, a farda acinzentada, mas ele era diferente, sentira uma amizade natural ao cumprimentá-lo, seus olhos verdes brilhavam com uma doçura imensurável, assim como seu sorriso. Algumas mechas dos cabelos negros do rapaz caiam-lhe sobre o rosto, fugindo do arrumadinho convencional do resto do cabelo. Durante o vôo ele lhe contara que servia à Luftwaffe pelo serviço militar obrigatório,e que antes disso, estava terminando de se formar como médico, estava na força de resgate aérea, buscando os soldados feridos e levando-os para o atendimento médico, era um lado da guerra em que Amélia jamais tinha pensado, algumas pessoas estavam ali tentando salvar vidas.
A voz de Henrrich ao telefone estava séria, até fria, conversaram por poucos minutos, suficientes para ele saber que ela chegara em segurança, e que estaria segura pelo tempo que fosse necessário, suficientes para ela temer a selvageria cada vez mais evidente na voz dele enquanto contava que conseguira cumprir o objetivo junto com os outros aviadores de abater o quartel de varsóvia e sitiar a cidade. O coração de Amélia estava apertado quando ela foi deitar-se, e nos seus sonhos o remorso por abandonar o próprio país era refletido, via seu pai sendo morto por bombas, seu irmão, toda a família, as mulheres do curso de enfermagem chorando por seus maridos, e todos mortos, ela estava ali sem poder fazer nada, Henrrich segurava-a pelo ombro com firmeza enquanto ela tentava ir ajuda-los, Hainz aparecia, e também era morto, e ela acordava. O mesmo sonho repetiu-se por noites e mais noites, e a agonia de estar presa parecia sufocar-lhe. Todas as noites Henrrich ligava para ela, contava as vitória e os perigos do dia, e seu coração se acalmava enquanto ouvia a voz dele, esquecia das humilhações murmuradas em alemão pelo pai e a irma dele, esquecia do áscuo que tinha ao ouvir as noticias no rádio, sobre campos de força, sobre assassinatos e torturas,e mortes incontáveis.
Meses se passavam um a um, e o inverno se foi, e a primavera chegou, e junto a ela uma decisão, não ficaria mais parada. Não lutaria por um país, lutaria pela vida. Foi quando decidiu procurar Hainz.
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Eremita Moderno
Eu sei que era a hora de estar lá, o sentimento era inequívoco, mas ele não estava. Pode parecer errado, ou louco, mas posso ainda sentir sua presença, seu cheiro entre meus cabelos, talvez tenha ficado empregnado como as marcas em minh'alma. Entorpecida pela embriaguez desse sentimento. Tento refletir, usar a razão, mas é tão inútil quanto tentar manter meus braços longe do teu corpo, minha respiração longe da sua. O ritmo dos nossos corações em sintonia parecia uma mórbida orquestra viciante, hipnotizante, estou tonta. Viciada nessa dança de corpos e cores e copos e coisas. Não tento, não quero manter-me longe. Apenas espero pelo afago das suas mãos em meus cabelos, para, finalmente, fechar os olhos e dormir com a lembrança dos seus olhos junto aos meus.
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