A senhora no Café - Parte VIII

"Henrrich era como uma droga sublime, ele roubava meu ar, meu chão, meus sentidos e valores. Nada importava enquanto meus olhos estivessem grudados aos seus, não me importava se uma bomba explodisse no meu jardim, eu morreria sorrindo se fosse este o caso, afinal, estaria entre os braços dele, meu ópio estaria circulando no meu sangue, seu cheiro exalando em meu corpo, como se fossemos apenas um, tudo que fiz faria novamente, apenas se pudesse ter esse momento mais uma vez."

Eu poderia passar anos tentando imaginar, sem conseguir com exatidão, a intensidade embrigante desse amor é inalcançável para leigos, como eu, no quesito apaixonar-se.

O dia da partida chegou, ela não levava mais do que roupas para alguns dias, alguma comida, alguns retratos, documentos falsos e uma alma rechaçada pela culpa. Não avisaria seu irmão, nem ninguém, não poderia sequer saber se eles estariam vivos, se sua sobrinha cresceria. Ela, covardemente, salvava a própria vida, abandonando sua identidade, seu país e tudo que tinha até ali, a não ser Henrrich, ele era tudo para sua vida, e nem sequer sabia se ele voltaria para seus braços vivo um dia. Pode parecer fácil descrito assim, mas em um dia ela estava instalada na casa dos Hartmann na Alemanha oriental, acolhida pela já idosa mãe de seu amado. O cheiro do chá de ervas calmantes tomava conta da grande cozinha, havia também uma moça, era irmã mais nova dele, parecia desprezar Amélia, como se ela estivesse infectando o ambiente com uma doença grave. Jamais entenderia o porque disso se não conhecesse o pai de Henrrich, ele a observava com o mesmo áscuo, ele era também um oficial do exército alemão, e a bandeira nazista estava pendurada no meio da sala de estar, ela chegou a imaginar que ele se orgulharia de pendurar uma cabeça de um judeu ali em cima da bandeira.
Era madrugada quando Henrrich ligou, havia sido outro homem a levá-la até ali, era subordinado de Hartmann, seu nome era Hainz Schuzt, ela estava esperando por Henrrich para levá-la quando ele chegou com o mesmo modelo de avião, a farda acinzentada, mas ele era diferente, sentira uma amizade natural ao cumprimentá-lo, seus olhos verdes brilhavam com uma doçura imensurável, assim como seu sorriso. Algumas mechas dos cabelos negros do rapaz caiam-lhe sobre o rosto, fugindo do arrumadinho convencional do resto do cabelo. Durante o vôo ele lhe contara que servia à Luftwaffe pelo serviço militar obrigatório,e que antes disso, estava terminando de se formar como médico, estava na força de resgate aérea, buscando os soldados feridos e levando-os para o atendimento médico, era um lado da guerra em que Amélia jamais tinha pensado, algumas pessoas estavam ali tentando salvar vidas.
A voz de Henrrich ao telefone estava séria, até fria, conversaram por poucos minutos, suficientes para ele saber que ela chegara em segurança, e que estaria segura pelo tempo que fosse necessário, suficientes para ela temer a selvageria cada vez mais evidente na voz dele enquanto contava que conseguira cumprir o objetivo junto com os outros aviadores de abater o quartel de varsóvia e sitiar a cidade. O coração de Amélia estava apertado quando ela foi deitar-se, e nos seus sonhos o remorso por abandonar o próprio país era refletido, via seu pai sendo morto por bombas, seu irmão, toda a família, as mulheres do curso de enfermagem chorando por seus maridos, e todos mortos, ela estava ali sem poder fazer nada, Henrrich segurava-a pelo ombro com firmeza enquanto ela tentava ir ajuda-los, Hainz aparecia, e também era morto, e ela acordava. O mesmo sonho repetiu-se por noites e mais noites, e a agonia de estar presa parecia sufocar-lhe. Todas as noites Henrrich ligava para ela, contava as vitória e os perigos do dia, e seu coração se acalmava enquanto ouvia a voz dele, esquecia das humilhações murmuradas em alemão pelo pai e a irma dele, esquecia do áscuo que tinha ao ouvir as noticias no rádio, sobre campos de força, sobre assassinatos e torturas,e mortes incontáveis.
Meses se passavam um a um, e o inverno se foi, e a primavera chegou, e junto a ela uma decisão, não ficaria mais parada. Não lutaria por um país, lutaria pela vida. Foi quando decidiu procurar Hainz.
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