Uma semana se passara e eu não conseguia esquecer aqueles olhos ternos me olhando ao me entregar aquele diário, não voltara ao cyber-café desde que a senhora morrera, ali, em minha frente, aquele brilho que eu nunca esqueceria, se apagara, junto ao último raio de um pôr-do-Sol. Sentada na sacada do pequeno apartamento observava a vista do parque, não era nada magnifico, mas era só minha. Alguns mendigos dividiam uma garrafa de vodka lá, algumas prostitutas se ofereciam para homens na rua. A Lua alta no céu anunciava oa dentrar da madrugada, e eu assim como ao olhar aquela senhora, não conseguia desgrudar os olhos daquele velho livro de capa de couro. Abri-lo seria como violar a intimidade daquela mulher. Havia um bloqueio em mim, ao mesmo tempo que um impulso irresistível. Pelo que imaginara eram mais de 400 páginas. Receberia o seguro desemprego por mais 5 meses, meus pais só chegariam no verão,e a primavera estava apenas por começar, eu tinha tempo, curiosidade e mais que isso, tinha um amor incontrolavel e desconhecido por aquela senhora dos brincos de pérolas e os olhos de gato.
Corri os dedos pela capa, sentindo as imperfeições e as variações de altura devidas às fotos, cartões postais, e tantas outras coisas que a senhora colara naquelas páginas. Não poderia resistir por muito mais tempo, fechei os olhos por um instante, lembrei da moça junto ao rapaz da foto em sépia, pelas roupas, provavelmente estavam na década de quarenta quando tiraram aquela foto. Abri o livro, não me surpreendi ao ver que as folhas que a senhora escrevera pouco antes de morrer estavam logo no começo, o papel branco e novo contrastava com o papel amarelado com cheiro de velho que revestia a capa.
"Não tenho certeza que lerá isso minha querida, talvez apenas jogue no lixo, talvez eu tenha me enganado com a expressão em seus olhos. Ou talvez eu simplesmente não precise lhe entregar isso, mas precisa ser feito. 1945 foi um ano glorioso se quer saber, mas ao mesmo tempo foi um ano carregado de dor. Não espere uma bela história que daria um romance aqui, nem uma grande história que sobrou da guerra, é apenas uma velha história que, assim como eu, já deve ter perdido seu espaço a algum tempo. Só lhe peço, que abra sua alma, que abra sua imaginação, para as lembranças de uma velha à beira da morte. Não julgue meus erros, eu era apenas uma garota, assim como você."
A letra corrida e bela continuava pela página, meus olhos se grudavam a cada palavra, mas depois desse parágrafo o resto não fez muito sentido para mim naquele dia. Apenas continuei, até criar a imagem de quem ela fora, antes de começar o diário. Seus cabelos iam até pouco abaixo de seus ombros, eram de um tom ébano lustroso, e seguindo a moda da época acabavam num delicado cacho. A pele era como porcelana em seu rosto fino, o nariz bem traçado era ofuscado pela magnifica cor de seus olhos. Quando começou o diário, é, realmente era um diário, estava com 17 anos e acabara de terminar o colegial, naquela época principiava a definir sua personalidade, e a conhecer seu destino. Eu poderia passar horas descrevendo-a, sem conseguir compreender realmente quem fora.
Começa aqui, a volta à uma realidade que eu nunca compreenderia, se não tivesse contemplado a face daquela mulher. Apenas mergulhando nessa época eu poderei tentar descrever quem foi Amélia Schovoieski, mais que uma sobrevivente, uma vencedora dos restos de uma guerra.
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